domingo, 26 de abril de 2009

Paisagens Urbanas II: Invasão de zumbis?

Em minha cidade, Campinas, um dos cemitérios mais antigos é o Cemitério da Saudade. É daqueles em que os túmulos são todos trabalhados, cheios de esculturas de anjos, santos, cruzes, feitos de mármore de alta qualidade e dotados de ânforas para depositar flores. É um lugar muito bonito para aqueles que (como eu) apreciam os trabalhos de arte funerária e gostam de encontrar túmulos datando de mais de um século atrás. Também é um lugar que faz a alegria dos góticos ocasionais que queiram fazer um hang out entre as sepulturas. De uma forma geral, é um local importante para a história e memória da cidade.

Mas, de uns tempos pra cá, o Cemitério da Saudade está parecendo uma fortaleza. O frequente roubo de vasos e outros artefatos tumulares que o lugar vem sofrendo levaram os responsáveis por sua manutenção a erguer um muro altíssimo a sua volta, coroado com ameaçadoras espirais de arame farpado. Se antes era legal olhar a partir das avenidas circundantes e ver aquela skyline de cruzes e torrinhas, agora tudo que se consegue ver é aquele paredão enorme que parece que vai cair sobre nós. Por algum motivo, sempre que passo perto do Cemitério da Saudade, me lembros dos filmes de zumbi do George Romero, como se a muralha tivesse sido colocada ali para proteger a cidade contra a fúria dos mortos inquietos, perturbados pelo furto de suas possessões.

Claro que não existe nenhum morto-vivo possessivo. O que existe é o desejo de resguardar bens materiais que, em tese, pertencem ao morto e o homenageiam, mais ou menos como os artefatos de ouro puro que eram enterrados junto aos faraós do Antigo Egito. Como o nosso cemitério, as tumbas dos faraós também eram corriqueiramente saqueadas por indivíduos em busca de algo que pudessem trocar por alimento e bens que lhes eram negados pela sociedade estamental dos egípcios. Pois a triste realidade que marcos como o Cemitério da Saudade expõe com clareza é o fato de alguns mortos possuírem muito mais riqueza que muitos vivos. E a ironia que seus altíssimos muros transmitem é a proteção dispensada às relíquias dos defuntos, enquanto tantos vivos continuam em situação de total desamparo.

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