quinta-feira, 23 de abril de 2009

Paisagens Urbanas I: Pichações

Pra quem não sabe, vivo na cidade de Campinas, no interior de São Paulo (embora a elite campinense trema diante da mera lembrança de que somos uma "cidade de interior", seja lá o que isso signifique). Recentemente, a prefeitura de Campinas lançou uma campanha publicitária, espalhada em outdoors (é assim que se escreve?) pelo quatro cantos da cidade, contra as pichações e pichadores. As mensagens são as menos criativas possíveis: "As pichações entristecem a cidade", "Os pichadores fazem você de palhaço" e etc.

Ora, sem querer defender os pichadores (mas sentindo um enorme desejo de fazê-lo), não posso deixar de notar o quanto isso não levanta uma série de questões sobre planejamento urbano e cultura urbana. Acusam os pichadores de tornarem a cidade feia, caótica, de provocarem poluição visual. Mas, até aí, as milhares de peças publicitárias coladas em outdoors, postes, paredes de edifícios, traseiras de ônibus ou distribuídas às centenas em semáforos também não contribuem para enfeiar a cidade e interferir com o cotidiano do cidadão? Nada posso dizer a respeito de meus conterrâneos, mas eu pelo menos não dei permissão a ninguém para ser bombardeado com publicidade!

Os pichadores tornam a cidade caótica? Não seria a crescente frota de carros despejada pelas concessionárias em ruas já abarrotadas? Não seriam as lojas de departamentos do Centro, que colocam o som no último volume para atrair clientes? Não seria o sistema de transporte público horrivelmente planejado, que atulha algumas avenidas centrais com um monte de ônibus e vans, enquanto que em alguns bairros afastados é necessário esperar quase duas horas para tomar um ônibus? Não seria o crescente número de desabrigados urbanos que dormem nas calçadas por não terem onde ir nem ninguém que lhes dê assistência? Será que a culpa pelo caos urbano pode mesmo ser lançada sobre os ombros dos pichadores?

Acusam os pichadores de, com seus escritos, desrespeitarem o santo direito da propriedade privada. Nem sei por onde começar a expor os problemas que uma afirmação como essa traz à baila. Propriedade privada? Nós temos bairros inteiros de Campinas onde não existe fornecimento contínuo de água e energia (o meu é um deles e, ironicamente, fica ao lado de um bairro de elite onde isso nunca foi problema), comunidades de periferia que não têm acesso aos serviços mais básicos que um governo municipal tem a obrigação de prover, sem mencionar o fato que nossos espaços de convívio público, nesta e em outras cidade do Brasil, ficam cada vez mais sujeitos à cooptação da iniciativa privada, quando não são completamente abandonados pelo poder público. Será que o picho também não é uma resposta a esse contínuo sucateamento do espaço comum? Uma resposta a falta de um espaço para livre expressão?

Ouço dizer que há uma guerra silenciosa entre pichadores e grafiteiros. Não sei se isso procede, mas os motivos me intrigam. Por que isso ocorre, se ocorre? E por que há uma tendência a glorificar o grafite e criminalizar o picho? Ora, há dez anos atrás, o grafite era visto como arruaça, da mesma forma que o picho (em verdade, acho que para a nossa intelectualíssima classe média, isso continua). Há dez anos atrás, o picho e o grafite eram colocados no mesmo balaio da marginalidade. Bem, o que mudou? Por que o grafite tornou-se esteticamente aceitável e o picho não?

Um comentário:

  1. O pichador é pobre e não paga nada pra pichar, por isso que a prefeitura condena o que ele/a faz. Se fosse dono de loja e/ou rico, jamais seria questionado. Provavelmente seria considerado um artista urbano.

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