segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Lua e o futuro

Hoje se comemora os quarenta anos da chegada do Homo sapiens à Lua. Geralmente também é considerado o término da "Corrida Espacial" entre Estados Unidos e União Soviética, iniciada em 1957 com o lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik. Outras coisas importantes foram feitas em termos de exploração espacial após essa data, como a Mir e o Skylab, a mensagem de Arecibo, o Hubble e as sondas Galileu, sem esquecer da Estação Espacial Internacional, talvez mais significativa em termos de pesquisa científica do que todos os anteriores.

Mas, em minha opinião, falta algo da emoção desses primeiros projetos, como se o ponto de convergência tivesse passado e agora a exploração espacial se resuma a algumas melhorias e especializações, sem um grande projeto que mobilize o público e crie novos mitos e novas idealizações. Talvez seja por isso que, ultimamente, a literatura de ficção científica esteja dormente, sem grandes obras novas, apenas uma ou outra releitura de obras antigas.

Não vou me estender, já que o objetivo é só lembrar da importância dessa data, mas registro aqui minha esperança de que o projeto de exploração de Marte seja levado adiante e que uma futura missão tripulada ao planeta vermelho reanime a emoção da exploração espacial e traga uma nova leva de sonhos e projetos para o futuro.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Socialismo e mitos a respeito

Já faz um tempo que não escrevo nada no blog, então é hora de tirar o atraso. Estava conversando com uns amigos outro dia e, como é de costume, as questões políticas e sociais se enfiaram no meio da discussão. Uma coisa que já pude notar dessas discussões é o quanto a temática do socialismo e dos movimentos e práticas socialistas é quase completamente desconhecida ou encarada de forma absolutamente fantasiosa pela maioria das pessoas, inclusive por alguns que lhe expressam simpatia e até mesmo se declaram comunistas ou marxistas. Afirmações que já ouvi de meus companheiros a esse respeito: "o que tivemos na União Soviética e em Cuba não é socialismo", "o socialismo precisa contar com a bondade das pessoas para ser implantado", "o socialismo não permite o avanço tecnológico", "os socialistas utópicos imaginavam sociedades impossíveis, já Marx foi científico". Considero todas essas afirmações extremamente equivocadas, em um nível ou outro, e creio que de uma forma geral elas demonstram concepções fictícias do socialismo, sem muita preocupação de historicização do mesmo ou diálogo com a realidade.

Fiquei matutando sobre a origem do problema e imagino que venha basicamente de nosso precário sistema de ensino, onde os conceitos são lançados aos alunos sem nenhuma preocupação com a discussão ou contextualização dos mesmos, e também do contato (maléfico, na minha opinião) com a mídia "imparcial" de nosso país (Veja e Caros Amigos, para citar dois exemplos de extremófilos opostos), que se diz "informativa", mas de fato exerce um confuso papel entre a militância desregrada e a desinformação irresponsável. Ter a escola e a mídia como principais fontes de informação já fez horrores com nossa intelectualidade passada, atual e vindoura, e penso ser muito deprimente que poucos brasileiros realmente procurem boa literatura ou bons documentários sobre o tema, já que isso aguça o espírito crítico de todos nós, e espírito crítico é essencial para a construção da democracia.

A temática "socialismo" é absurdamente vasta, tanto quanto a temática "capitalismo", então só vou tocar em alguns pontos que acredito serem os mais confusos, pelo menos do ponto de vista da classe média-alta com a qual convivo.

Primeiro: o socialismo é um sistema econômico, muito mais do que um sistema social. Nunca foi muito da cabeça de nenhum pensador socialista dizer aos militantes como eles deveriam viver, que religião eles deveriam abraçar ou o que deveriam vestir e comer. Embora muitos líderes socialistas mais autoritários (como Stalin e Pol Pot) sonhassem em controlar cada milímetro do cotidiano dos cidadãos, a abordagem básica de todas as teorias socialistas sempre foi de origem político-econômica:

A propriedade privada dos meios de produção e dos bens de primeira necessidade (vestuário, moradia, alimentação, educação, informação) acaba por gerar situações de injustiça e escassez, uma vez que veta o acesso do grosso da população a produtos dos quais ela necessita para sua sobrevivência, portanto, o acesso a esses produtos deve ser garantido, de uma forma ou de outra, a todos que verguem o título de 'cidadão'.

Notem que, diante dessa diretriz básica, várias correntes de pensamento podem ser geradas (e de fato foram). Um dos mitos comuns é que em uma socidade socialista não existiria nenhum direito a propriedade privada, que até o ato de adquirir uma caneta como sua propriedade particular seria vetado. Não procede, uma vez que o socialismo só se interessa pelo acesso público aos meios de produção (leia-se: indústrias, bancos, produtoras agrícolas e instituições de financiamento) e em um mecanismo através do qual fiscalizar a formação dos cidadãos (Proudhon, um dos grandes pensadores socialistas, era inclusive a favor de uma rede privada de ensino, contanto que ela estivesse sujeita a algumas direrizes quanto aos métodos pedagógicos). Assim, a propriedade privada e o espaço privado continuariam existindo dentro de uma sociedade socialista, o que seria coletivizado seriam só os meios de produção e, talvez, distribuição de bens de primeira necessidade.

Segundo: o socialismo não exige, nem nunca exigiu, a passividade ou docilidade dos seres humanos. Quem exige isso é o cristianismo, que propõe um pós-vida utópico no qual os conflitos desaparecem e todos vivem em paz e harmonia eterna. O socialismo exige o exato oposto disso, uma vez que todas as teorias socialistas são, mesmo que de forma implícita, fundadas sobre a luta de classes e a necessidade de se derrubar a ordem vigente, percebida como injusta, ilógica, ineficiente ou inferiorizante (termos utilizados, respectivamente, por Marx, Fourrier, Saint-Simon e Stirner, para descrever o capitalismo). Alguns pensadores, como Marx, mencionam um futuro idílico em um paraíso pós-socialista onde as classes e o Estado cessaram de existir, o que talvez tenha reforçado a visão popular de que os membros de uma sociedade socialista precisariam ser naturalmente bondosos e altruístas, como os santos do paraíso cristão.

Nada poderia estar mais distante da realidade se tomarmos como exemplo a concepção interessantíssima de Max Stirner, para quem a sociedade capitalista incita a fraqueza e a preguiça nos seres humanos por eliminar a competitividade (sim, vejam vocês: o capitalismo acusado de não ser competitivo). Por criar uma sociedade estamental, onde os ricos são sempre ricos e os pobres nunca têm uma chance real de ascender economicamente, o capitalismo geraria uma situação de ociosidade e indolência que enfraquece o caráter humano. O socialismo seria preferível pois incita uma cooperação tácita entre as pessoas e instituições na busca de uma situação comum de conforto e oportunidades, não por motivos altruístas, e sim porque o interesse individual beneficia-se da estabilidade coletiva. Nas palavras de Stirner, a sociedade socialista seria uma livre associação de egoístas, cada um preocupado com seu próprio bem-estar, mas consciente de que o bem-estar do vizinho (aliado, mas potencial inimigo) contribui para seu próprio conforto.

Pessoalmente, não endosso a visão de Stirner, que acho muito cínica e negativa, mas as teorias socialistas em geral não pregam o fim dos conflitos inerentes aos seres humanos (inevitáveis, penso eu) mas criticam o congelamento artificial desses conflitos em uma sociedade estamental, de classes, onde não existe possibilidade de mobilidade social, como era o caso do feudalismo e ainda é o caso do capitalismo. A visão dos anarquistas de uma sociedade pós-capitalista em revolução permanente é particularmente assustadora para alguns (para mim inclusive), e creio ser por isso que o que foi assimilado com mais frequência foi a concepção idílica e um tanto fantasiosa de Marx.

Terceiro: o socialismo não é uma concepção pré-industrial. Aliás, devo dizer que essa é uma idéia ridícula e demonstra total desconhecimento histórico. O capitalismo é pré-industrial: nasceu com os cercamentos de propriedades rurais na Inglaterra dos séculos XVI e XVII, tornou-se modelo filosófico para a burguesia revolucionária do século XVIII e tornou-se estrutura dominante durante a Revolução Industrial, final do XVIII até meados do XIX.

Já o socialismo foi sistematizado durante e após a Revolução Industrial e, como o próprio Marx coloca, seria impossível sem esta. Na verdade, o inventor da palavra "socialismo", o conde de Saint-Simon (injustamente chamado por Marx de "utópico"), acreditava que seria inviável a implantação de uma sociedade socialista sem um desenvolvimento tecnológico e científico agressivo, que proporcionasse aos humanos uma compreensão e controle sobre os recursos naturais que permitisse que o peso do trabalho braçal fosse parcialmente retirado dos ombros dos homens, possibilitando, dessa maneira, uma maior ênfase à formação cultural e intelectual e à construção da cidadania. Segundo Saint-Simon, isso seria impossível nas sociedades pré-industriais, já que a principal preocupação dos seres humanos concentrava-se na mera sobrevivência.

Acredito que boa parte desse erro de análise surge da visão neoliberal de que os modelos alternativos (socialismo, estado de bem-estar, capitalismo keynesiano) eram atrasados e retrógrados, e que só o neoliberalismo era responsável por grandes avanços tecnológicos. Trata-se de um tremendo mascaramento da história. Só para constar, o neoliberalismo nunca foi responsável por nenhum avanço científico-tecnológico marcante no século XX. Os maiores avanços ocorreram sob a égide do nazi-fascismo (área bélica e engenharia de foguetes), do capitalismo keynesiano (computadores, utensílios domésticos) e do socialismo (tecnologia aeroespacial e comunicação por rádio). Assim, o argumento é basicamente propagandístico, não encontra fundamentos reais.

Encerro por enquanto. Só gostaria de concluir rebatendo um argumento dos defensores incondicionais do socialismo que eu acho muito aborrecido: o de que países como União Soviética, Cuba e China não seriam socialistas e, como tal, o socialismo não deveria ser responsabilizado pelos crimes contra a humanidade cometidos nesses países. Afirmo que sim, eles são, ou foram, socialistas, embora tenham desenvolvido uma concepção de socialismo de Estado bastante autoritário e centralizador. E sim, creio que o socialismo pode e deve ser parcialmente responsabilizado pelos crimes cometidos. O sistema não é perfeito e de fato permite interpretações autoritárias e irresponsáveis que acabam por levar a abusos. O dever do bom socialista é reconhecer essas falhas e lutar para corrigí-las, não mascará-las e deixar tudo como está.