quinta-feira, 4 de junho de 2009

Paisagens Urbanas III: Cidadão X Consumidor

Outro dia estava indo ao centro de Campinas de ônibus, e tive a oportunidade de presenciar um gesto de cidadania quando o motorista do coletivo se deu ao trabalho de entrar em uma rua não programada pelo trajeto para poupar uma idosa o esforço de andar até o ponto. Foi um ato muito elogiável mas, quando alguns pontos mais tarde o bem-intencionado motorista percebeu que seu gesto havia lhe causado atraso considerável no trajeto, acelerou o ônibus a velocidades não muito amigáveis e quase nos matou a todos.

A equação que deve ter passado pela cabeça do motorista naquele momento é simples: atraso no trajeto = desconto no salário = menos dinheiro para alimentar a família. Visto isso, fiquei a matutar o quanto é difícil exercer cidadania em um meio social onde o dinheiro funciona como o grande meio de coesão. É o típico caso em que não se pode culpar ninguém especificamente. Óbvio, o colega motorista não pode ser culpado por querer manter seu horário e garantir seu salário, e o fato de ele quase ter causado um acidente não anula sua boa ação prévia, mas a grande tragédia disso tudo é que, se por uma fatalidade, ele realmente tivesse causado um acidente, ele, motorista, é que teria sido considerado imprudente.

Não a empresa de ônibus, que exige o cumprimento de trajetos impossíveis em uma cidade superlotada em um espaço de tempo inumanamente curto.

Não a prefeitura, que reluta em tomar atitudes para transformar o transporte público em algo mais eficiente, eliminando a necessidade dessa miríade de automóveis nas ruas.

Não o sistema econômico, que exige que o indivíduo esqueça o seu papel de cidadão e transforme-se em consumidor, comprando bens que deveriam ser seus por direito e vendendo a si mesmo para não morrer de fome.

A ironia da batalha entre cidadão e consumidor, uma guerra interna que todos nós somos obrigados a travar diariamente, é que as próprias instituições que estabeleceram as regras se acham acima delas. Duvido muito que o presidente da empresa de ônibus ou o prefeito de Campinas se rebaixem a andar no transporte público...

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